Mark Sayers o ouve o tempo todo: não parece que o mundo ficou louco? Em entrevista concedida a Hunter Baker, ele fala como manter a sanidade quando o mundo perde o sentido. E reflete sobre a intersecção entre religião e cultura.
Você pode ler o artigo original em Christianity Today, aqui.
Por que você suspeita que o mundo moderno está nos tornando infelizes?
Quando se trata de facilidade e conforto, a infra-estrutura do mundo moderno é insuperável. No entanto, a recente epidemia de desafios de saúde mental está nos dizendo que alguma coisa está acontecendo. Há um fenômeno interessante chamado Paradoxo de Imigrantes: as pessoas que migram da maioria do mundo para o Ocidente, frequentemente passam por uma melhoria inicial na saúde e no bem-estar. No entanto, à medida que se tornam totalmente assimilados na cultura ocidental, os ganhos se anulam. Parece que há algo come as vantagens da modernidade, e as expectativas distorcidas que elas criam, que nos tira do equilíbrio.
O que você quer dizer quando diz que uma sociedade secular nunca existiu?
Deus nos criou como criaturas religiosas. Não podemos não adorar; a única questão é quem – ou o que – adoramos. Assim, toda a vida humana é vivida com um princípio religioso. Parte da causa da nossa cultura política cada vez mais frívola e extrema é esse impulso religioso. A ordem política pós-Segunda Guerra Mundial tentou evitar os extremos da esquerda e da direita. Mas isso é difícil de se manter, já que muitos pressionam, com fervor religioso, para as utopias do nacionalismo ou do globalismo.
Como observou o historiador católico Christopher Dawson, a raiz da palavra cultura vem do termo latino cultus, que se refere a adoração. Isso mostra por que mesmo o mais ardente programa de secularismo acabará vestindo roupas religiosas.
No final da Guerra Fria, o teórico político Francis Fukuyama afirmou que a humanidade chegou ao “fim da história”, quando a maioria de todos reconheceria a superioridade da democracia e das economias de mercado livre. O que ele esqueceu?
Fukuyama é um pensador com nuances, que recusou a possibilidade de as coisas darem errado. No entanto, suas previsões convenceram muitas pessoas de que os dias de luta tinham acabado, e alguns anteciparam uma era de crescimento econômico sem fim. Os políticos acreditavam que os conflitos poderiam ser encerrados e os países reformulados, com a intervenção e as coalizões globais.
Mas os humanos – programados para a religião , nascidos para a luta, marcados pela Queda- encontram maneiras de alterar a paz. O caos e o choque dos últimos anos não é que o mundo enlouquecendo mas o mundo como sempre foi: um lugar caótico, complexo e destroçado.
Como o otimismo do tipo Fukuyama afetou os milennials*?
Os milennials tiveram o privilégio de nascer durante este período pós-Guerra Fria. Muitos atingiram a maioridade durante um boom econômico que durou até a crise financeira global em 2008. Este também foi um período em que a educação foi permeada pelo ethos de auto-estima que enfatizou os sentimentos e minimizou a possibilidade de decepções e dificuldades que nos fortalecem.
Tudo isso, juntamente com o surgimento das mídias sociais, deu a eles expectativas de vida infladas, em um momento em que o mundo está se tornando mais caótico e, possivelmente, mais perigoso. Os milennials são muito caluniados e ridicularizados, mas devemos ter compaixão, porque seus professores, pais e líderes os incentivaram a viver um script de vida defeituoso.
Como a igreja pode evitar o que você chama de “dança perigosa com sangue, solo e bandeira”?
Em todo o mundo, há um impulso contra o globalismo, que tenta criar uma cultura global baseada em valores progressivos ocidentais. Ao reagir contra isso, a igreja pode cair na tentação nacionalista, como às vezes aconteceu na década de 1930.
O povo de Deus transcende o sangue e o solo do nacionalismo. Somos estrangeiros, cidadãos do céu, e não podemos inclinar o joelho em qualquer altar nacional. Somos simplesmente servos no grande empreendimento de Deus para refazer o mundo.
Você enfatiza a importância de “seguir a tendência” da ordem criada por Deus. Por que é tão difícil fazer com que as sociedades façam isso?
É importante compreender as diferentes abordagens que as culturas fazem. Algumas criam regimes sufocantes e disciplinares cheios de proibições e tabus que esmagam o indivíduo. A cultura ocidental, construída sobre o individualismo radical, luta contra esses tipos de restrições. Ela compra a idéia de que a utopia pode ser alcançada por meio da liberdade, da expressão humana ilimitada e da liberdade de se autodefinir.
Mas esse tipo de ideologia é incrivelmente difícil de gerenciar em um ambiente multicultural. Recentemente, no shopping, passei por dduas fisiculturistas lésbicas tatuadas, de mãos dadas; logo atrás delas havia duas meninas islâmicas, cobertas de niqabs dechamativamente na moda. Este é o multiculturalismo em exibição. No entanto, uma vez que você vá além de palavras-chave como “diversidade” e “tolerância”, você vê grandes áreas de tensão política, social e religiosa. O Oeste ainda não compreendeu completamente essas contradições, e aqueles que estão no poder muitas vezes tentam desajeitadamente impor a tolerância de uma maneira que está longe de ser tolerante.
Por que você conecta a história de Felipe e o eunuco etíope ao entendimento da igreja sobre a sexualidade humana?
Na visão bíblica, a liberdade que vem com a vida no Espírito não apaga a ordem criativa. O gênero, o casamento e a família não são vistos como intrinsecamente opressivos, mas sim como presentes que nos sustentam entre a ressurreição de Jesus e seu retorno.
Mas e os que se encontram fora do quadro criacional? Os que, por exemplo, lutam com sua orientação sexual ou identidade de gênero. Quais são as boas notícias para eles? O eunuco etíope encontrado por Felipe, possivelmente o primeiro apóstolo da África, sugere uma resposta fascinante. Este homem, tirado de seu gênero, roubado de sua masculinidade e sexualidade, está pesquisando as Escrituras. Felipe o encontra lendo o Livro de Isaías, que contém uma promessa de que os eunucos que agradam a Deus e mantenham a sua aliança receberão um lugar em sua casa, um monumento e um nome eterno (56: 4-5).
Deus oferece ao eunuco algo maior do que o mero reconhecimento de sua “identidade”. Em vez de ser incentivado a simplesmente suprimi-lo até a próxima era, ele recebeu a promessa de algo maior que o casamento, a realização sexual e a família.
Tendemos a comparar nossa situação, como crentes, ao exílio judaico na Babilônia, e invocamos o encorajamento de Jeremias para buscar o bem-estar da cidade. Por que você diz que esta analogia está incompleta? Também é importante ver as coisas por meio de uma lente do Novo Testamento. Se Cristo chegou, então nosso exílio não é principalmente babilônico. Em vez disso, somos chamados a ser sal e luz no mundo, e proclamar que o exílio da humanidade separada de Deus está acabado – que Ele se aproximou.
Sem essa perspectiva, podemos cair na armadilha de simplesmente nos abaixar e desfrutar os frutos da cultura contemporânea sem crítica. Aceitamos o triunfo do secularismo, sentamos e apreciamos o café artesanal.
Por que você aconselha “vida tranquila” em tempos tão caóticos?
Por todas as campanhas publicitárias e nas mídias sociais, ainda vivemos vidas incutidas, centradas em torno dos padrões mundanos que os humanos sempre seguiram. É aqui que a vida do reino eclode. A instrução de Paulo em 1 Tessalonicenses para viver vidas tranquilas pode parecer chata para aqueles criados na sensação e na diversão. Mas o convite para viver o caminho de Deus no meio da humanidade caída sempre será poderoso.
* A Geração Y, também chamada geração do milênio ou geração da internet, (em inglês “millenials”); o termo foi criado pelo historiador e economista norte-americano Neil Howe nos anos 1990. Fazia menção à geração nascida a partir do início dos anos 80.
Mark Sayers é pastor na Austrália e autor de muitos livros, que abordam os temas de liderança, cultura e identidade.
Hunter Baker é professor de Ciência Política na Union University.
Fonte:
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