“Há um certo medo e ansiedade e um grande interesse visual nas coisas que vemos ao chegar em uma grande cidade. Acho que é tudo o que posso dizer sobre isso.” Edward Hopper, sobre o quadro “Approaching a City”
Por Eduardo Affonso
Volta e meia tenho que escrever “uns dois parágrafos” a meu respeito, e embatuco.
Minha biografia não chega a tanto.
Mineiro, arquiteto e…. e é isso.
Há quem, nessas situações, coloque – meio à brinca, meio à vera – o signo, o ascendente e uma Lua em Escorpião para indicar que tem pegada.
Eu me contento com ser mineiro (é algo que me define, esses oitenta por cento de ferro na alma), arquiteto (é a profissão que escolhi, e com a qual me mantenho) e recuo antes de incluir “asmático”.
Asmático, não soasse como vitimização, deveria vir antes de arquiteto e junto com mineiro, porque nasci assim, e a todo o resto veio bem depois.
Ser mineiro moldou meu modo de falar, de pensar. Ser asmático, o jeito com que me afogo no ar que respiro, e que acaba por afetar como falo e penso.
Junto com a asma veio a ansiedade. E com a ansiedade, o pânico.
Esse aperto no peito pela manhã, à noite – é asma ou angústia?
Esse chiado, como se houvesse um gato asfixiado na garganta – é ar demais ou de menos?
E essa palpitação, essa vontade de fugir, de estar em qualquer outro lugar que não aqui, porque aqui o ar é irrespirável?
Asma e pânico são formas distintas de sufocamento. Uma é afogar-se no ar; a outra, no mundo.
Talvez nem todo asmático seja ansioso. Isso pode ter a ver com Touro, com a ascendência em Áries, com a Lua (sabe-se lá onde) prateando a solidão.
Aquela solidão de não poder correr na hora do recreio. Não poder sair no sereno. Ter que usar agasalho, frequentar curandeiros, tomar poções de mel e ervas, ser benzido junto à gameleira. Dormir quase sentado, com emplastro fumegante sobre o peito.
E, para aproveitar o fôlego, falar depressa demais. Por não poder correr, andar depressa demais. E respirar pela boca e pelo nariz em quantidade que nunca é demais para os pulmões.
Asma não tem cura. Ansiedade e pânico, talvez.
Na próxima vez que tiver que escrever “dois parágrafos” a meu respeito, talvez parafraseie Drummond:
“Quando nasci, um anjo aflito
desses de asas e retinas fatigadas
disse: Vai, Eduardo! ser ofegante na vida.”
Ter uma Lua em Escorpião ajudaria. Mesmo que fosse minguante. Mesmo que só para enfeitar a biografia.