[…] Na série de palestras bíblicas de Jordan Peterson e dos livros Rules for Life. [há] a riqueza da abordagem de Peterson à Bíblia e a Deus, e como ela se encaixa e encontra apoio no Cristianismo.
[…] a interpretação, de Peterson, das Escrituras remonta à leitura moral da Bíblia feita por Agostinho[…] Agostinho recomendou extrair a verdade de todas as fontes de conhecimento – algo que Peterson faz muito bem. [ao comparar] as regras de Peterson para a vida, à luz de Tomás de Aquino e da tradição da Igreja, f[conclui-se] que a Igreja oferece algo muito mais rico e coerente do que Peterson pode.
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O projeto de Peterson não é, na essência, sobre interpretação bíblica, metafísica, teologia ou mesmo liberdade de expressão. É uma terapia para pessoas desprovidas de sentido e objetivo. Todos nós começamos a ouvir Peterson por diferentes motivos, mas, inadvertidamente, nos achamos em uma sessão de terapia existencial. Peterson ajuda seus ouvintes a entender como as ideologias disfuncionais e prejudiciais do mundo afetam seu comportamento e apresentam obstáculos para uma vida significativa. Sobretudo, o tratamento que Peterson prescreve – tanto para religiosos como para não religiosos – é viver de acordo com os valores e a sabedoria transmitidos pelo cristianismo
Como Peterson baseia-se em sua experiência clínica, ele não apresenta um argumento formal […], ele não tem uma teologia ou metafísica claramente definida. Mas ele tem uma narrativa clara, algo que ele enfatiza como extremamente importante. Todos nós contamos histórias para dar sentido às nossas vidas e descobrir o significado, dando às nossas experiências uma forma narrativa. Para Peterson, a história, não o argumento, é essencial para como as pessoas estruturam e organizam suas vidas. (Veja, por exemplo, seu projeto de autoria própria .)
Peterson aborda a Bíblia dessa forma. Suas interpretações são […] “atuais” e “poderosas”, mas, acima de tudo, são práticas. Ele conecta a Bíblia a nossas próprias vidas, para que possamos entendê-la como uma história não primordialmente sobre teologia abstrata e princípios morais, mas sobre nós , nossa jornada e nossas dificuldades. Muitas das Escrituras são confusas e perturbadoras, porque a existência está cheia de tragédias e dores. Mas Peterson mostra que, lida como um todo, a Bíblia fornece o caminho para o sentido, que é o que todos nós buscamos. Numa época em que muitas pessoas se sentem perdidas, a Bíblia conta a história que dá sentido a tudo isso.
Matthew R. Petrusek descreve Peterson como “o profeta de nossa era”, e parcialmente por causa disso. Na história da mulher samaritana junto ao poço, ela disse às pessoas: “Venham ver um homem que me contou tudo o que eu fiz” (João 4:29). As pessoas se sentem assim em relação a Peterson. Fomos ouvir sobre a Bíblia ou a liberdade de expressão e ele acabou nos explicando a nós para nós mesmos: por que fracassamos, por que somos amargos e por que nossa vida nominalmente plena parece destituída de sentido. Peterson pode não ser um profeta, mas é algo igualmente raro: um psicólogo clínico bom pra caramba, fundamentado em arquétipos e valores cristãos e focado em tratar o desespero existencial em nossa sociedade.
[…] Peterson fala para os que estão desiludidos e desapontados com as ofertas das ideologias modernas. O foco em direitos e supostas prerrogativas não pode nos propiciar sentido. É mais provável que nos deixe amargurados, como Caim, e ressentidos por não termos tudo o que pensamos que merecemos. A liberdade irrestrita também não pode dar sentido à nossa vida, pois a liberdade precisa ser adequadamente dirigida. A felicidade não pode dar sentido. Precisamos de algo para nos manter em movimento quando nos deparamos com um sofrimento aparentemente insuportável.
Peterson afirma que esse sentido só pode ser encontrado por meio da responsabilidade. Somente a responsabilidade – por nossa vida, nossos amigos e família, nossa comunidade – pode nos manter em pé diante da tragédia de nossa existência mortal e decaída. Peterson acrescenta que, para a maioria de nós, a responsabilidade e o sentido melhor se encontram no casamento e na criação de filhos (o que, de alguma forma, se tornou uma posição escandalosa hoje!). Assumir a responsabilidade pelas coisas e pessoas ao nosso redor não significa que podemos parar de sofrer, mas que podemos evitar que o sofrimento se torne um inferno.
Um Chamado para a Virtude Heroica
Em tudo isso, Peterson demonstra uma ética profundamente cristã. Devemos carregar nossa cruz e, como observa Christopher Kaczor, “cada cruz é única”. Precisamos estar dispostos a deixar nossas casas (a estagnação e o conforto do familiar) para seguir o bem maior até o grande desconhecido, como fizeram Abraão e todos os discípulos, com a certeza de que isso pode custar tudo o que nos é caro. […]
Peterson está focado em hierarquias. Ele explica como o louvor e a adoração corretos são importantes porque mostram o que é importante em nossas vidas, quem são nossos deuses. Se escolhermos os deuses errados, o inferno certamente se seguirá. Aqui, no centro do argumento de Peterson, está um apelo à responsabilidade heróica e ao auto-sacrifício. Até Peterson ficou surpreso ao ver que seus ouvintes estavam tão desesperados por sua mensagem; frequentemente, eles precisavam e queriam ouvir que suas vidas eram uma bagunça e que eles eram os principais culpados por isso. O sucesso de Peterson deve nos lembrar que nosso próprio evangelismo precisa enfatizar essas duras verdades. No chamado para seguir a Cristo, devemos estar preparados para enfrentar plenamente o que isso significa. Seguimos o Cristo ressuscitado, mas ainda devemos “pregar o Cristo crucificado” (1 Cor. 1: 23-30). Frequentemente se esquece disso ou simplesmente minimiza isso porque é muito perturbador e escandaloso.
Peterson viu que, apesar de todos os abatimentos de seus ouvintes, eles ainda eram chamados a, e capazes de, uma virtude heróica. Essa defesa da virtude era nova para muitas pessoas, que estavam sentindo, pela primeira vez, o chamado para uma grandeza atingível. Com sua experiência clínica, Peterson vê heroísmo em ações que a maioria considera mundanas e insignificantes. Segundo Peterson, as tarefas cotidianas habituais costumam ser as mais importantes. Cuidar da família e dos amigos, construir hábitos saudáveis, reconciliar-se com os entes queridos: são batalhas entre arquétipos, batalhas entre o céu e o inferno.
Em tudo isso, Peterson não apresenta seu caso como um acadêmico faria, mas com a urgência de alguém tentando ajudar os necessitados, e com a admiração e a reverência de um companheiro de viagem. Ele não sabia como a oração funciona, apenas que funciona. Ele não entendia como as histórias da Bíblia poderiam ser, como ele as descrevia sempre, “sem fundo”, tal como são. Ele transmite um sentimento de admiração diante da Bíblia que é quase mais poderoso do que qualquer argumento. É como quando o dramaturgo Paul Claudel se converteu ao catolicismo simplesmente por causa da beleza da rosácea de Notre Dame.
Quando você ouve Peterson, há uma sensação de que ele está com você nesta grande aventura e, quando você encontra a fonte da verdade, fica humilde, grato por ela e ainda sem compreender como ela surgiu.
Para onde iremos?
Quando comecei a discernir se deveria filiar-me à Igreja, ouvi [ uma pregação que] se concentrou nos versículos de João 6, quando Jesus convida seus discípulos a abandoná-lo por causa de seus ensinamentos radicais […]. Pedro responde: “Para onde devemos ir?”
Essa pergunta me atormentou. Para onde vamos? Para onde devo ir? Eu tinha vivido com o vazio do agnosticismo e do ateísmo, os fracassos do secularismo e a hipocrisia e incoerência do moderno movimento de direitos humanos. Peterson estava certo ao dizer que a melhor e única chance de sentido estava nas verdades das tradições religiosas ou de sabedoria. Mas percebi que a síntese de Peterson sobre as regras da vida e suas próprias explicações para o significado também eram insuficientes. Seu argumento apontava para uma verdade maior do que ele estava disposto a aceitar. Para onde eu devo ir? Não para Peterson, mas para algo muito maior.
[…] o método interpretativo de Peterson se encaixa na tradição da Igreja e demonstra que Peterson segue a rica tradição de interpretação psicológica iniciada pelos Padres da Igreja. Mas Kaczor nota que a leitura da Igreja tem ainda mais profundidade, porque as histórias são verdadeiras não apenas como mito, mas como história e como metafísica. […]CS Lewis [contrasta] com Peterson. Lewis também entendeu a profundidade e o poder do mito cristão, mas acabou aceitando que o mito cristão era único porque também era “objetivo, histórico e literalmente verdadeiro”.
Petrusek examina as 12 regras para a vida de Peterson para preencher os detalhes da teologia e da metafísica de Peterson e aponta para suas limitações. Petrusek observa que, em algum ponto, você realmente precisa fazer uma afirmação metafísica. Você deve decidir: “A bondade final de ser um Cristo real (Jesus) ou um Cristo simbólico?”
Porque Peterson não pode aceitar totalmente Deus como uma realidade metafísica, ou a ressurreição de Jesus como um fato histórico em vez de um arquétipo poderoso mas metafórico, ele deve […] apontar as pessoas na “direção errada: de volta apenas para elas”. Sim, com uma importante mensagem de sacrifício heróico, autorreflexão e responsabilidade pessoal, mas ainda voltada para a pessoa individual. Afinal, para onde mais Peterson pode recorrer? Por mais nobres que sejam muitos dos ensinamentos de Peterson, eles realmente não conseguem fornecer sentido, embora nos apontem na direção certa. Petrusek mostra como as regras de Peterson empalidecem em comparação com a plenitude que a Igreja tem a oferecer, e como elas dependem das afirmações da verdade que a Igreja faz. Peterson pode não estar interessado principalmente na metafísica cristã, mas ele precisa dela para seu framework* funcionar.
Essas tensões internas permanecem na própria vida de Peterson[…]. Peterson diz que tenta agir como se acreditasse em Deus, mais recentemente em como tentou suportar os devastadores problemas médicos de sua família, mas o conforto e a força da verdadeira fé em Deus permanecem ilusórios. Ele é incapaz […] de “acreditar em Deus e agir de acordo”. Em uma de suas palestras, ele explica que não acha que tenha o “direito moral” de afirmar a fé em Deus: a fé real é radicalmente transformadora e ele não foi transformado. Mas aqui Peterson não está disposto a aceitar, para si mesmo, algo essencial para a história cristã: misericórdia. Sem misericórdia não há transformação nem salvação.
Quando eu estava decidindo se deveria filiar-me à Igreja, um sacerdote […] comentou que parte do meu problema era que eu queria uma “fé perfeita” antes de poder acreditar em Deus. No entanto, isso leva tudo ao contrário. Temos que acreditar primeiro. É por isso que oramos “Eu creio, ajuda-me na minha incredulidade” (Marcos 9:24). […] para sermos amáveis, devemos primeiro ser amados. Deus dá o primeiro passo em amor por nós, e Sua misericórdia e graça nos transformam. Cabe a nós aceitar esse dom imerecido e gratuito – ou não. Eu, pelo menos, sou grato a Peterson por me ajudar a encontrar coragem para aceitar o dom do amor de Deus e o dom da fé imperfeita, e espero, eu oro, que algum dia ele possa fazer o mesmo.
* Framework – conjunto particular de regras, ideias ou crenças que se usam a fim de se lidar com problemas ou decidir o que fazer.
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