Grandes Males
Os grandes males são facilmente identificáveis, pelo menos em retrospecto, e geralmente são o resultado (pelo menos na interpretação) do ato de outrem. Construímos memoriais intermináveis para o Holocausto, por exemplo, e juramos nunca esquecer. Mas o que é que estamos lembrando? Qual é a lição que devemos ter aprendido? Não sabemos como o Holocausto aconteceu – não sabemos o que as pessoas envolvidas fizeram, ou deixaram de fazer, passo a passo, que as levou a se comportar de maneira tão terrível; não sei o que ou quem fez a sociedade alemã dar uma guinada tão terrível. Até mesmo Hitler – como Hitler poderia deixar de acreditar que estava certo, quando todos ao seu redor obedeciam às suas ordens? Não seria necessário um caráter de magnitude excepcional para se resistir à tentação do poder absoluto, gratuitamente oferecido, democraticamente concedido, inclusive,, tendo se insistido nele? Como seria possível para alguém permanecer devidamente humilde, sob tais condições? A maioria de nós tem fragilidades pessoais que permanecem limitadas por nossos ambientes sociais. Nossas tendências neuróticas são controladas pelas pessoas ao nosso redor, que cuidam de nós, que reclamam e protestam quando perdemos nosso autocontrole e levamos as coisas, em nossa fraqueza, um passo além. Se todos ao redor pensam que você é o salvador, quem resta para apontar seus defeitos e mantê-lo consciente deles? Isso não é um pedido de desculpas para Hitler: apenas o reconhecimento de que ele era humano demais. E o que essa afirmação significa? Hitler era humano; Stalin também – Idi Amin também. O que isso significa sobre ser humano? sob tais condições?
Nossas tendências tirânicas e decadências morais geralmente encontram sua expressão limitada por nossos estreitos domínios de poder pessoal. Não podemos condenar milhões à morte, por um capricho, porque não temos os recursos para isso. Nós nos satisfazemos, na ausência de tal poder, em atropelar os que estão perto de nós – e nos congratulamos por nossa virtude moral. Usamos agressão e força para dobrar outros dependentes à nossa vontade – ou, na ausência de força, usamos a doença e a fraqueza para aproveitar a força da empatia e enganar em nosso caminho para o domínio, no subsolo. Se tivesse a oportunidade, quantos de nós não seríamos Hitlers? Supondo que tivéssemos ambição, dedicação e poder de organização – o que é altamente improvável. A escassez de habilidade, entretanto, não constitui virtude moral.
Muitos reis são tiranos, ou decadentes morais, porque são pessoas – e muitas pessoas são tiranas ou decadentes morais. Não podemos dizer “nunca mais” como consequência da memória do Holocausto, porque não compreendemos o Holocausto – e é impossível lembrar o que não foi compreendido. Não entendemos o Holocausto, porque não nos compreendemos. Seres humanos, assim como nós, produziram as catástrofes morais da Segunda Guerra Mundial (e da União Soviética de Stalin e do Camboja de Pol Pot …). “Nunca se esqueça” significa “conheça a si mesmo” – significa reconhecer e compreender aquele gêmeo do mal, aquele inimigo mortal, que é parte integrante de cada indivíduo.
Das páginas 236-237.
Trecho 1: No Monturo Encontra-se: a Fundação da Terapia Moderna, aqui.
Trecho 3: Autoconsciência e Finalidade Individual, aqui.