Universitários protestam contra o professor, o psicólogo Jordan Peterson.
Por Vitor Geraldi Haase. Leia o artigo completo aqui.
Jay Belsky, […] psicólogo do desenvolvimento é professor na Universidade da Califórnia em Davis. Ao abrir seu site, a coisa que mais me chamou atenção foi o seu “diversity statement”, o qual reza assim: “Many presume that the very same developmental processes characterize all types of individuals and families, be they Black, White, American, Asian…. For historical, cultural, societal or even biological reasons, there is increasing evidence that this is simply not the case. Thus, my work seeks to identify the contextual, biological and other conditions under which processes of development vary by ecological niche, broadly conceived”.
Independentemente das convicções políticas do Belsky, que eu ignoro mas suspeito serem “liberal”, isso significa que a University of California at Davis está condicionando a atividade acadêmica dos seus docentes à subscrição de um determinado credo político, à adoção de uma ideologia. Como chegamos a essa situação? É bom contar a história desde o começo.
A universidade nasceu na Idade Média. Após a queda do Império Romano e ascensão do Cristianismo, o conhecimento foi preservado nos monastérios, através da atividade dos copistas tão bem retratada no livro “O nome da rosa” de Umberto Eco. Essa monástica foi, inicialmente, substituída pela escolástica. Os professores mais famosos foram, gradualmente, se desligando dos mosteiros e fundando suas escolas. Daí o nome escolástica.
Geralmente, as escolas funcionavam na própria casa dos professores, que cobravam taxas dos alunos. […]
O sucesso das escolas teve diversos efeitos colaterais. Os alunos, oriundos geralmente de famílias de posse, acorriam às centenas às escolas. Mas também causavam muitos problemas às municipalidades. Os alunos se envolviam em bebedeiras e brigas, assediavam as moças do local etc. Lá pelas tantas, alguns conselhos municipais tomavam a drástica decisão de expulsar os estudantes. Isso não se revelou uma política muito sábia, uma vez que, àquela altura, as escolas representavam uma importante atividade econômica. Em Tübingen, por exemplo, a moradia estudantil fica no mesmo prédio da polícia. Será por acaso?
Um outro problema era a competição desenfreada que se instalou entre os professores por alunos. Surgiu então a necessidade de institucionalizar e congregar as diversas escolas em universidades. Universidades essas que funcionavam com regras e que recebiam apoio da Igreja, do estado e de mecenas.
O modelo medieval de universidade perdurou até o Iluminismo. As quatro facudades principais eram: Medicina, Direito, Teologia e Artes Liberais. As Artes Liberais compreendiam o estudo do Trivium (Gramática, Lógica, Retórica) e do Quadrivium (Aritmmética, Geometria, Astronomia, Müsica). A crença subjacente é de qua a aprendizagem das disiciplinas genéricas e fundamentais constituintes do Trivium propiciaria o desenvolvimento em praticamente todas as áreas da atividade humana.
Muitas vezes se representa as universidades medievais como dogmáticas e tuteladas, senão dominadas, pela Igreja. Um análise aprofundada revela um quadro mais nuançado. Uma das principais atividades acadêmica era a disputatio, que deu origem ao nosso modelo atual de defesa de tese. As disputationen era públicas, podendo ocorrer ao ar livre no verão. Uma disputatio era assim estruturada. Um aluno apresentava uma tese e um colega a sua antítese. Posteriormente o professor fazia uma síntese. Obviamente, a síntese representava a doutrina aristotélico-tomista da Igraja. Entretanto, os alunos tinham oportunidade de cotejar a tese e a antítese. A expressão pública da antítese não era proibida ou escamoteada. O professor tentava prevalecer a tese aristotélico-tomista com base em argumentos e não apenas com base na autoridade.
No início do Século XIX, o lingüista Wilhelm von Humboldt foi incumbido de uma reforma universitária pelo governo da Prússia. Esse modelo perdura até os nossos dias, mas está em franca decomposição. Parece afetado pelo mal de Parkinson, como o próprio Humbold ao final da vida. A universidade humboldtiana ou universidade de pesquisa se fundamenta nos seguintes princípios:
a) Acoplamento entre ensino, pesquisa e extensão: O professor e o aluno ensinam e aprendem pesquisando. Ambos pesquisam ensinando e ambos aprendem e pesquisam prestando serviços à comunidade;
b) Autonomia: A universidade não é uma torre de marfim, no sentido de que precisa prestar satisfação das suas atividades à sociedade, mas deve ser livre de ingerências políticas, econômiicas etc.;
c) Liberdade de Cátedra: O professor tem liberdade para lecionar, expressar sua opinião, programar o currículo e os conteúdos etc. conforme sua consciência. Respeitados, obviamente, os limites da honestidade intelectual, moralidade e sem coação aos alunos;
d) Bildung: A atividade acadêmica não se restringe à transmissão de conhecimento ou aquisição de habilidades, mas deve contribuir também para a formação do caráter;
e) Universalidade: Uma universidade deve abranger todos os domínios do conhecimento e não apenas uma área restrita;
f) Meritocracia: A razão, as evidências e o mérito devem prevalecer sobre outros interesses alheios à universidade.
No Brasil, a iniciação científica é a atividade que mais se aproxima da Universidade Humboldtiana e que mais me motiva. Através da iniciação científica, os alunos têm oportunidade de aprender pesquisando e prestando serviços. A iniciação científica não prepara apenas pesquisadores, mas prepara também profissionais aptos a aplicar o método do teste de hipótese na sua prática profissional.
O modelo humboldtiano ou universidade de pesquisa foi um sucesso absolutdo, sendo estreitamente associado ao progresso científfico ocorrido nos últimos séculos. Os Estados Unidos adotaram esse modelo e a grande maioria das melhores universidades está situada nesse país. Por causa disse, entristece ver o declínio da Universidade no país que expandiu o modelo ao limite.
O que está acontecendo agora? A Universidade Humboldtiana está sendo gradualmente substítuida por uma Universidade de Massa. Existe uma demanda crescente por universalização do ensino superior. É difundida a crença de que um diploma superior se associa ao sucesso profissional. O que nem sempre é verdade. O que se associa ao sucesso profissional é a competência. Competência essa que não é adquirida na mesma medida por todos na maioria das ditas universidades contemporâneas.
Nos EUA, por exemplo, a fração populacional de jovens universitários cresceu de 10% para 30%. Com isso cresceu o número de estudantes para os quais a Universidade Humboldtiana impõe exigências acima da sua capacidade. isso se reflete em frustração, infelicidade, uso de drogas e, até mesmo, doença mental e suicídio. Entrar na universidade sem estar preparado constitui fator de risco para sofrimento e doença mental.
À medida que a oferta de vagas crescia, foi inevitável relaxar os critérios. O sarrafo foi abaixado, fenômeno conhecido nos EUA como “grade inflation”. Ao mesmo tempo, além das disciplinas tradicionais mais difíceis, exigindo maior conhecimento de matemáticas, foram criadas disciplinas de estudos disso e daquilo. Essas disciplinas disso e daquela são, na sua maioria, politicamente motivadas, constituindo antes uma forma de ativismo de determinados segmentos da sociedade. Para ser aprovado nesse tipo de disciplina, basta rezar conforme a cartilha política. Não há necessidade de pesquisa e reflexão. Não há necessidade de considerar a antítese, como até os escolásticos faziam. Nos EUA, o resultado é que o sujeito não aprende nada no college, sai da faculdade com uma dívida monstruosa e não consegue um salário que lhe permita sobrevier e pagar seus débitos. Trata-se de uma fábrica de desajustados sociais, de insatisfeitos com a vida.
Uma alternativa seria preservar a Universidade Humboldtiana e, ao mesmo tempo, criar escolas profissionalizantes de ensino superior. O estudo das artes liberais não propicia a mesma inserção no mercado de trabalho do que a aprendizagem de uma profissão.
A ideologia do politicamente correto ou interseccionalidade é outra praga que assola a Universidade. Nas universidades americanas nenhum jovem pesquisador consegue tenure se não rezar explicitamente pela cartilha. Observo através das redes sociais manifestações pessoais e políticas de muitos pesquisadores e pesquisadoras famosos. Ë ridículo constatar que, fora do seu contextro específico de pesquisa, essas pessoas não conseguem expressar opiniões que ultrapassem o mero repetitorium da cartilha politicamente correta. São verdadeiros Fachidioten.
Uma forma adicional de censura vem da influência econômica progressiva da China. Atualmente, as universidades americanas e australianas dependem financeiramente das tuition fees e outros aportes financeiros da China, Então, é proibido criticar o governo chinês.
No Brasil, não é nem um pouquinho diferente. A rede de universidades federais se expandiu enormemente, sem qualquer preocupação com a qualidade. A maioria dessas novas instituições não merece o nome de universidade no sentido humbodtiano. A razão é simples. A maioria dessas universidades mal e mal consegue ensinar alguma coisa, como se fossem mais um coleginho. Não há estrutura e cultura institucional para a pesquisa.
No Brasil, há também o problema da auto-censura. Ao longo da sua formação, os alunos têm acesso apenas à doutrina oficial, politicamente correta. Os alunos não têm acesso à antítese. E o pior é que essa censura nem vem tanto de cima para baixo como de baixo para cima. São os próprios alunos que rechaçam opiniões distintas daquelas promulgadas por seus professores maconheiros de História. A liberdade de cátedra foi para o beleléu e uma das principais fonte de coação, é triste constatar, são os próprios alunos. Havia mais liberdade de expressão na Universidade na época do Regime Militar do que atualmente. A universidade, que teve uma origem brilhante, está tendo um fim melancólico. Transformou-se em um locus esclerosado de ativismo político radical.