Flagrantes da Vida Real – 04
Interior do México, dez anos atrás: digo para a esposa de um amigo que ela se parece com uma talentosa cantora, a Sade Adu.
Ela diz que não conhece a artista, mas que vai pesquisar. No dia seguinte, ouço dela uma surrealidade: “Como assim, me pareço com a Sade? Eu sou branca, não está vendo? Ela é negra!”.
Quando fiz a comparação, não falei em cor de pele, porque simplesmente não tinha pensado nesses termos.
Porém, foi essa a resposta que recebi de uma mulher com uma pele de cor idêntica a da Sade. Em vez de se honrar com minha comparação, ela se ofendeu.
E se ofendeu, também, por constatar que minha visão dela era completamente diferente da visão que ela tinha de si própria.
Assim que percebi que tinha entrado em terreno minado, recuei; e não toquei mais no assunto, nem com ela, e nem com seu marido, o meu novo amigo mexicano que tão gentilmente me hospedou em sua casa.
Fiquei pensando sobre quais processos de autoengano, e durante quanto tempo, foram necessários para uma mulher elegante e educada se ofender por ser comparada a uma outra mulher mais elegante e mais educada ainda.
A felicidade se dá por poucos caminhos, mas a infelicidade tem mil faces.